Abismo de almas
Não deixa de ser um tanto de egoísmo o amor. Por que queremos manter para si o que é bom? Por que somos assim tão possessivos? E, mesmo não querendo sê-lo, somos. É difícil simplesmente se abster, viver e deixar viver. Queremos a vida ali, próxima. A planta dentro de casa, o gato de apartamento... Em que momento ultrapassa-se essa linha do amor, tão tênue? E como, simplesmente, ser?
- Olhar uma flor no campo sem o impulso de levá-la consigo;
- A troca de olhares ser, simplesmente, só uma troca de olhares, que causa um calor que aquece... e só;
- Pele e suor misturados e depois separados, sem dor;
- Saudade do que foi bom, sem a necessidade de viver novamente o que passou;
- "São coisas de momento, são chuvas de verão"...
. . .
"O amor é a mais carnal das ilusões. Amar é possuir, escuta. E o que possui quem ama? O corpo? Para o possuir seria preciso tornar nossa a sua matéria, comê-lo, incluí-lo em nós... E essa impossibilidade seria temporária, porque o nosso próprio corpo passa e se transforma, porque nós não possuímos o nosso corpo (possuímos apenas a nossa sensação dele), e porque, uma vez possuído esse corpo amado, tornar-se-ia nosso, deixaria de ser outro, e o amor, por isso, com o desaparecimento do outro ente, desapareceria...
Possuímos a alma? Ouve-me em silêncio: Nós não a possuímos. Nem a nossa alma é nossa sequer. Como, de resto, possuir uma alma? Entre alma e alma há o abismo de serem almas."
(Fernando Pessoa)
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